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quinta-feira, 27 de junho de 2013

Ler, Ver, Escrever...

Uma vez, quando eu era criança, fiz um desenho bem caprichado de uma pessoa de perfil, só o rosto. Na minha opinião tinha ficado muito bom. Mostrei pra uma colega de classe e ela me veio com essa: “tua pessoa só tem um olho, é?” e deu a maior risada sarcástica. Fiquei meio decepcionada, achando que meu desenho não estava tão bom assim, já que a colega não tinha conseguido compreender que era uma pessoa de perfil e, portanto, só podia aparecer um olho. Foi meio como o desenho da cobra que engoliu um elefante, no Pequeno Príncipe, que todo mundo pensava ser um chapéu. Porém, no meu caso, era muito mais injusto, já que uma pessoa de perfil deve ser autoevidente.

Acho que foi aí que começaram minhas dificuldades de comunicação com as pessoas. Sempre tive essa sensação de que, pra ser compreendida, preciso buscar as palavras exatas e as frases mais bem formuladas (ou os melhores desenhos), senão elas não vão me entender. Percebo que muita gente não presta atenção no que os outros estão falando. Isso comigo acontece o tempo todo: estou dizendo uma coisa e a pessoa está viajando pelo espaço sideral, conectada a outro tempo, olhando o trânsito. Eu sempre fico meio atônita (e muito, muito frustrada) quando não sou compreendida, ou, pior, quando sou interpretada da maneira errada. É sempre um susto, um soco no estômago.

Talvez daí também tenha surgido minha necessidade de escrever. Escrevendo, posso organizar melhor as palavras e os pensamentos, tenho o tempo de pinçar os melhores substantivos, adjetivos, de construir as melhores frases. As palavras são tão lindas e saborosas!

Etéreo. Pra ser falado sussurrando bem baixinho: “etéééreo!” Não é lindo? Delicado. De-li-ca-do. Cuidado pra não quebrar ao falar. Kkkkkk Estou viajando. A-le-sa-da. Lembrei agora do nome de Lolita estalando na boca de Humbert Humbert logo no primeiro parágrafo do livro. Que delícia!

Mas é assim: escrever pra ser compreendida, pra expressar, pra existir no mundo. Escrever porque é gostoso, e pronto. Isso nem sempre adianta, porque sempre tem aquelas criaturas de coração de pedra que acham tudo uma grande frescura: “escrever não enche bucho!”. Juro que já ouvi isso. Pode até não encher o bucho, mas enche minha mente de felicidade. Flocos de algodão voando na cachola, fazendo cosquinha. Djilícia!
E ler? Ler vem antes. Ler é escrever ao contrário, de fora pra dentro. As palavras entram na nossa mente e ficam ali, tatuadas, dançando, dando cria. É como viver várias vidas simultaneamente. É um "Quero ser John Malkovitch" ainda mais viajado. A gente vê o mundo pelos olhos de outras pessoas.

E o que melhor do que escrever sobre o que se lê, o que se ouve e o que se vê? Por isso o Porto Solar, grupo de leitura que existe no mundo real, se juntou também aqui, no mundo virtual. Acho que falo por todos do grupo quando digo que queremos compartilhar com os amigos a nossa paixão pelos livros, pelos filmes, pelas coisas boas, bonitas e interessantes que vemos no mundo.

Bom, dito isto, quero só deixar claro que Picasso encontrou uma maneira de fazer uma pessoa de perfil mostrando os dois olhos. Se eu fosse um gênio, como ele, não teria buscado as palavras. (risos)


 

Um comentário:

  1. Sempre relacionei fotos de perfil com identificação criminal e a posição que devo evitar para tirar fotos. Enquanto isso, Holandinha ensaiava perfis nos desenhos de infância, né? Gênia! Mas, vendo agora o desenho de Picasso e lendo a sua historinha, penso eu que ele também deve ter sido indagado dessa mesma forma e por isso tentou o perfil de dois ângulos. Não entenderam, ele teve que desenhar. Engraçado que é comum ouvir isso do "entendeu ou quer que eu desenhe?" como se um desenho fosse mais palpável que a palavra falada ou escrita. Lembrei então de quando eu era ainda adolescente, quase adulta, e um paquera tentou dizer que me amava. Não era suficiente usar palavras diretas e objetivas, porque, na minha timidez e insegurança, eu não queria ouvir algo tão preciso. Ele então desenhou nossas iniciais em torno de um coração, sem técnica nenhuma, e então foi mais fácil aceitar aquele amor(desenhado). Talvez o desenho livre, por isso, seja mais sincero que a escrita. Na escrita, a gente se preocupa muito mais em encaixar as palavras à métrica,à rima e ao ritmo do que aos próprios sentimentos. Escrever é muito mais amor à própria palavra e suas infinitas possibilidades, que amor propriamente dito. Bem, e a leitura é o alimento desse amor. Ler vem antes, como tu bem falou. Ai lembro de Raul na música "Eu também vou reclamar", que assim diz:
    Olhos os livros
    Na minha estante
    Que nada dizem
    De importante
    Servem só prá quem
    Não sabe ler"
    Pois é! Ler também vem antes de reclamar rsrs

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